Conheça o novo coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e sua experiência profissional lidando com o aquecimento global
Foi sob um forte sol, com o termômetro do celular apontando 29 graus Celsius, numa tarde de sexta-feira em pleno inverno, que caminhei pelo bairro paulistano de Pinheiros, em direção à CETESB, onde iria entrevistar Oswaldo Lucon, o novo Coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. Fui sem carro, e como o ponto de ônibus era longe do meu destino, pude ir conversando comigo mesmo para passar o tempo e tentar pensar menos no sol que logo começou a me incomodar. Por não ter ido de carro, estaria eu fazendo minha parte contra a emissão de poluentes? Preocupações de nossos tempos. Ou provavelmente, preocupações de nossos tempos e da minha geração e das mais novas. O entrevistado, em certo momento, passaria-me um dos dados que mais me chamou atenção ao longo de nossa conversa: nos Estados Unidos, metade das pessoas da idade dele não acredita em aquecimento global – número muito alto – porém, o dado esperançoso é que três quartos das pessoas da minha idade (os ditos millennials) já acreditam que a culpa do aquecimento global é sim por conta das ações do homem e seus poluentes, e é preciso fazer alguma coisa. A conta está chegando e é para as novas gerações.
A conversa foi bem produtiva, apesar de, não teria como ser diferente, preocupante. O entrevistado, Oswaldo Lucon, além de novo coordenador do citado Fórum, é, desde 2002, assessor de Mudanças Climáticas do Secretário de Estado. Na CETESB é funcionário desde 1992 e desde 1994 trabalha com aquecimento global. Formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica em 1986 e em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco em 2004, ambas da Universidade de São Paulo. Fez seu mestrado na Inglaterra em Engenharia Química e de Processos e o doutorado em Energia pelo atual Instituto de Energia e Ambiente da USP. Desde 2002 dá aulas gratuitamente na pós em Energia, onde fez seu doutorado.
É sobre sua trajetória na USP que começamos nossa entrevista:
Quais principais ferramentas sua graduação em Engenharia na Escola Politécnica da USP forneceu para os primeiros passos na sua carreira? Você já tinha, na época, o interesse na área de Energia?
Oswaldo Lucon: Tenho 17 anos de experiência com a USP como aluno e mais 17 como professor. A ferramenta que eu aprendi foi conseguir terminar em 5 anos a Poli. Se eu falar isso para um politécnico ele vai dar risada e vai entender, pois é um curso difícil.
A gente aprende o conteúdo nas disciplinas, é claro,
mas eu acho que acima de tudo a gente aprende a se
virar. Isso não é só na Poli, é na USP, o que vejo como
um ponto muito positivo. Eu acho que a liberdade que
a USP dá aos alunos é algo bastante positivo, pois exige
responsabilidades e interesse.
A princípio não planejava trabalhar com Engenharia Civil, mas com o tempo passei a gostar de Meio Ambiente e trabalhar na área. Leva certo tempo até amadurecer a ideia.
A liberdade que você via na Poli, via também no curso de Direito da USP?
Oswaldo Lucon: Sim, também. O que é essa liberdade? Não é aquele professor que chega com power points e “joga” matéria pra você, que te dá uma apostila, e depois você faz a prova como está lá. Eu acredito que na USP haja um caos criativo e esse é seu lado bom. Claro, há alguns pontos que podem ser criticados, melhorados, mas eu acho que é um ambiente acolhedor para os estudantes, que dá grandes possibilidades e acima de tudo é gratuito. É um grande serviço e espero estar retornando para a sociedade o meu estudo na USP.
Após um mestrado no exterior, desde seu doutorado de volta à USP, você pôde observar diferenças significativas em quão avançados estão os estudos no Brasil em relação ao exterior na área de Energia e preservação ambiental, como compararia essas linhas de pesquisa na área aqui e na Europa?
Oswaldo Lucon: Há 25 anos eu colaboro com o IPCC, Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Também fiz alguns trabalhos para o programa das Nações Unidas para o meio ambiente, dentre outras instituições. Tenho bastante contato com autores, com cientistas de fora e daqui. São contatos que eu reputo de alto nível, que fazem com que a gente tente se nivelar. Há grandes dificuldades, uma delas é a barreira da língua. Hoje o inglês é universal, atualmente as novas gerações já entendem isso, mas com as gerações anteriores nem sempre foi assim. Eu acho que uma grande dificuldade é publicar e ter os artigos aprovados. Algumas revistas periódicas estrangeiras cobram para isso. Se você não está numa instituição financeiramente sólida, você não consegue ter a continuidade necessária para amadurecer os trabalhos e as linhas de pesquisa.
Se puder falar um pouco sobre sua pesquisa no doutorado. O que vem sendo feito pelo governo do Estado (CETESB) para combater a poluição e quanto ela potencializa o aquecimento global? Há um Programa de Mudanças Climáticas do Estado de São Paulo, se puder explicar o papel desse programa, que ações são realizadas por ele?
Oswaldo Lucon: Eu escrevi a Lei de Mudanças Climáticas com a colaboração de outras pessoas, inclusive do Prof. José Goldemberg e de Fábio Feldman que são ex-alunos da USP. A questão das mudanças climáticas é bastante complexa, é ambiental e econômica, mas no fundo as são políticas que a gente tem de perseguir diariamente. Devemos incorporar rapidamente os avanços tecnológicos. Veja como a tecnologia veicular avançou, com a melhoria da qualidade de combustíveis, por exemplo. Temos de lidar com uma enorme diversidade de fontes. A gente pensa em poluição como a chaminé da indústria, mas isso é coisa de outros tempos. Quase dois terços de nosso PIB vêm de serviços, então são com as fontes difusas que temos de lidar. A mitigação da poluição possui muitos aspectos comportamentais, mostrando que sua mitigação tem forte interface com a psicologia e a sociologia, dentre outras disciplinas. Digamos que é preciso atacar as fontes de poluição e para isso a gente tem que ter a inteligência de entender onde está o problema. Acho que a isso a Poli me ensinou muito bem.
Então o que cada indivíduo faz tem um impacto importante?
Oswaldo Lucon: Imagine 10 milhões de automóveis desregulados ou pior, que já saíram de fábrica obsoletos. O impacto é enorme. Os milhões de aparelhos de ar condicionado que agora são utilizados para compensar o aquecimento dos ambientes, consomem bastante energia. A geração dessa energia gera impactos. Boa parte dos resíduos provém de padrões insustentáveis de consumo. Estamos vendo a polêmica com os canudinhos de plástico, a sacola também é criticada, mas a pergunta a se fazer é: como é que se gerencia o problema do plástico? Como se substitui o produto, como se responsabiliza o produtor e o gerador do resíduo? Como se permite o acesso de comunidades mais carentes a esses bens e serviços, de uma forma equitativa e sustentável? A equação é muito complexa.
Como você enxerga o movimento de protestos contra o aquecimento global, “Fridays for Future”, da estudante sueca Greta Thunberg? Qual o papel das novas gerações nessa conscientização em relação aos poluentes?
Oswaldo Lucon: Fundamental. O papel das novas gerações é fundamental. Esse movimento chegou ao Brasil, batendo na nossa porta. Houve um protesto na frente da CETESB no começo do ano. Conversei com a segurança e abri as portas, trouxe todos para o anfiteatro, foram todos para cima do palco, me sentei na plateia e permiti que eles falassem. Havia crianças de 8 anos até jovens de 30, com mães e professores. Tinha gente nervosa, alguns chorando. Eles começaram a apontar o dedo para mim falando que sou o culpado pelo estado do planeta. Eu estou há 27 nessa luta e reconheço o fracasso de minha geração em ter resolvido o problema. Quando perguntam o que eles podem fazer, eu digo que protestar é importante, mas se todos apenas protestarem a gente não vai conseguir resolver muita coisa. Nas redes sociais todos protestam o tempo todo, um contra o outro, mas é necessário executar. Enquanto você protesta, há um funcionário de fábrica na Ásia fazendo algum produto para vender para você. Agora, você vai realmente precisar daquilo que vai consumir? Então pergunto: qual o futuro do Brasil? Teremos hamburguerias e cervejarias gourmet e o que mais? Até quando trocaremos tablets de última geração por vagões de minério de ferro? É essa a opção que o Brasil vai fazer? Como nos tornaremos um país competitivo e sustentável se não for por meio da Universidade? Se não for por ela, não sei como.
Como é trabalhar como coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, num governo federal que tem em uma parcela de seu eleitorado negacionistas do aquecimento global? Em que nível as evidências científicas podem ser abaladas pela opinião pública por conta da proliferação desse tipo de pensamento?
Oswaldo Lucon: Pergunta interessante. Bom, todos os governos têm eleitorados com seus pontos de vista e estes merecem ser respeitados, pois estamos numa democracia. Precisamos aceitar a diversidade de opiniões, colocá-las dentro do debate e caso tragam fatos e evidências sólidas e robustas, considerá-lo. Estou há pouco tempo como coordenador, mas acompanho o Fórum desde que ele foi criado em 2001. Deu para ver muita coisa ao longo desses anos. O negacionismo é um aspecto do eleitorado e isso é resultado, em parte, de falhas na comunicação cientifica. Os cientistas perceberam que se encastelaram nas suas narrativas, herméticas demais, distantes do grande público. O grande público está acessando a rede social, a rádio FM, o programa nos canais de televisão. Isso é resultado do que está acontecendo no mundo inteiro.
Foi desenvolvido um estudo sob a coordenação anterior do Fórum de “Como chegar a emissão zero de carbono até 2060 e como implementar o Acordo de Paris”. Como o senhor avaliou esse estudo, o Fórum dará continuidade às soluções propostas?
Oswaldo Lucon: O Fórum dará continuidade aos trabalhos. É muito importante o Fórum transmitir essa ideia de continuidade e tranquilizar seus interlocutores. O Fórum precisa ouvir todos. Não é fácil trabalhar toda essa informação. O estudo Carbono Zero é mais um estudo de cenários, temos cenários para tudo. As premissas desse estudo são muitíssimo fortes e podem ser contestadas. Por exemplo, o Brasil continuaria a produzir petróleo, mas o exportaria. Isso é contraproducente para o aquecimento global. Acho muito difícil se atingir o Carbono Zero, o que não implica que essa meta de inspiração não deva ser perseguida de todas as formas. É melhor ter uma meta difícil do que não ter nenhuma.
Vi que você tem a coautoria de um livro com o Prof. José Goldemberg chamado “Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento”, poderia comentar um pouco sobre como é possível esse desenvolvimento sustentável entre ambiente e energia?
Oswaldo Lucon: É um livro já antigo, que precisa ser atualizado. O Prof. Goldemberg foi um dos pioneiros nessa ótica, portanto seu livro é obra de referência. Físicos têm uma visão macro muito boa, enxergam ordens de grandeza. Eu passei a entender isso com o tempo. A seu pedido revisei o livro e pedi autorização para complementá-lo. No fim, escrevi o mesmo número de páginas que ele. É muito difícil atualizá-lo, mas adoraria fazer isso. A atualização esbarra nas dificuldades das novas realidades; ninguém sabe, por exemplo, quais são os pontos de ruptura diante do aquecimento global ou como vai operar a Inteligência Artificial. A própria compilação de literatura publicada é muito difícil. Precisamos correr atrás dos outros países e para isso precisamos que as instituições acadêmicas sejam valorizadas. Verbas devem ser bem aplicadas dentro dessas instituições. Quem está dentro do sistema de educação sabe bem o que estou falando. É muito importante dar a mínima condição de estabilidade para o jovem estudante, que possui o desejo de contribuir. A USP possui milhares de estudantes. Quantos destes se tornam vozes atuantes nas políticas ambientais do país? Pouquíssimos. Quais são as referências jovens que temos na área ambiental na academia? Poucas. É necessário incentivar isso.
Como você avalia as ações do atual Ministério do Meio Ambiente em relação ao aquecimento global e desmatamento da Amazônia?
Oswaldo Lucon: É uma pergunta delicada, pois há certo conflito de interesse. Como Coordenador do Fórum eu não devo expressar minhas opiniões pessoais. Despindo dessa roupa, dentro de uma ótica de professor universitário, nós observamos vários movimentos pendulares, temos notícias que vêm e que vão, e é importante que elas sejam lidas analisando todas as óticas possíveis. Como o Brasil continua no Acordo de Paris, pretendo trabalhar para que se cumpram os compromissos assumidos. O governo que está aí foi escolhido pela vontade soberana da população e o Ministro é uma pessoa escolhida pelo Presidente. Dentro desse quadro, quero contribuir para o melhor resultado possível para o meio ambiente e para a sociedade. Espero que políticas fortes causem uma forte redução em nossas emissões, porque a questão do aquecimento global é urgente e importante.
Quanto é possível para o Brasil substituir as energias fósseis pelas renováveis? Compete mais às empresas ou mesmo a cada indivíduo?
Oswaldo Lucon: A todos. Basta ver o que está acontecendo lá fora, não precisamos inventar a roda nem sair na frente, tem muita gente fazendo pesquisa, desenvolvendo alternativas. Vamos ver qual vai ser o tempo de atraso que teremos em relação a essa tendência. Se quisermos ser de fato um país desenvolvido e sustentável, precisamos acelerar nossos passos.
Texto: Rodrigo Rosa